curriculum de um adido

Sunday, February 12, 2006

addicted man (versão portuguesa)

Addicted Man
de Paulo Guerreiro

Addicted Man

Sinopse

Tenho fome. Corro para o supermercado mais próximo, entro. Percorro todos os corredores, perguntando-me o que me impede de descobrir um novo medicamento, de levantar um bloco de cimento, ou trepar uma árvore gigantesca, até mesmo de ler o jornal e de beber um café … tudo isso porque … “ estou-me a vir”. Olho-me ao espelho e … fantástico!!! Sou tão pálido! As pessoas com classe são pálidas, as pessoas pomposas que param em palácios são pálidas. No entanto eu como cereais. O estômago incha e quase explode, e eu como mais cereais, o meu estômago incha e explode, mas não paro de comer cereais! Um solo irónico em que um homem revela-se através da sua batalha contra o sistema e ele mesmo.

Addicted Man estreou a 28 de Outubro no 5º festival Danse en Vol, organizado pelo Thèâtre de L’l, Bruxelas.

Próximas apresentações:
Rencontres Choréghraphiques du Val de Marne, França, Setembro 2006.


Addicted Man

Apresentação

Addicted Man é um exercício esquizofrénico, descontrolado e repetitivo, onde as decisões tomadas se tornam ilógicas e incoerentes para com o seu propósito: o corpo como algo viciado em códigos, desprovido de individualidade, desequilibrado. Um corpo resignado à sua condição de objecto.
O movimento surge, desenvolve-se e recusa-se. Da recusa surge movimento, criando um ciclo de afirmações e negações, ou seja, uma base e uma estrutura coreográfica que não servem mais que o próprio movimento. Um ciclo interminável de dicotomias conflituantes, repetidas até à exaustão, cujo único propósito é o do próprio movimento. O movimento pelo movimento.
Um exercício onde se reflecte sobre o corpo que executa movimentos que existem porque o corpo o executa. A coreografia surge como reflexo desse caos, propondo um combate aberto contra o sistema e, consequentemente, contra si mesma. O que precede este corpo? A que referências se prende? Que memórias? Que hábitos? Que medos? Será possível depurar tudo isso? Quanto do corpo é possível recusar? Até onde é possível levar a sua condição de objecto executante?


Addicted Man

Ficha técnica

Conceito, texto, coreografia e interpretação: Paulo Guerreiro
Colaboração artística: Sandra de Freitas
Voz off: Inês Ferreira de Almeida
Co-produção: Paulo Guerreiro/Théâtre de L’l (www.llasbl.be)


Addicted Man
Críticas

Paulo Guerreiro cria, naquela que é a sua primeira obra, um exercício de vitalidade e coerência, mesmo que seja prejudicado por um excesso de construção. (…) O modo como integra preocupações acerca do lugar da criação no quotidiano em acções simples é razão suficiente para ver nesta breve peça uma possibilidade de discurso confrontacional da técnica com a metaforização.

Tiago Bartolomeu Costa in Perpetual Movements – about 5th Danse en Vol publicado no web blog o melhor anjo, Janeiro 2006 (Bélgica)


Addicted Man
Texto folha de sala

Addicted me

O que se convoca para um processo criativo? Quem define a fronteira entre o espaço de criação e o espaço biográfico? Que se pode mostrar numa primeira obra?
Paulo Guerreiro tem 23 anos, está em Bruxelas há um ano depois de um percurso errático em Portugal, entre o clássico e contemporâneo, e Addicted Man é a sua primeira criação. Uma encomenda para o festival Danse en Vol, quando ainda não sentia qualquer urgência pessoal em apresentar trabalho próprio. “Por isso é difícil definir esta proposta”.
Inevitavelmente será lida como um cartão de apresentação, mas a ideia não é tanto estar à altura da aposta do festival, mas antes dos limites que se impõe enquanto performer: “respeitar tudo aquilo a que o meu corpo se propõe. Não fazer réplicas do movimento de quem seja. Pegar numa frase (improvisada ou não) e dissecá-la, para saber no que o meu corpo acredita. Verdadeiro e falso. Tudo o que for virtuoso e anti-natura é recusado. Pode o questionamento ser anti-natural?”.
Addicted Man, desenvolve-se a partir de um processo em que a ironia sobre a própria vida é o mote para um jogo paralelo entre personagem e criador. As situações são extremadas, de modo a que se esvaziem e esgotem. Um trabalho no limite da observação, em que a fronteira entre realidade e surreal é muito ténue. Um exercício o mais à flor da pele possível: “tentei ser o mais honesto comigo próprio. Procurei questionar o que faço (e o que fazemos), sem me preocupar em encontrar uma lógica. Explorar emotivamente (e através da improvisação) todos os pequenos vícios que temos.”
É por isso que de uma revolta contra o sistema (o quase-habitual nas primeiras obras), Addicted Man se tornou num trabalho de auto-crítica, “por vezes através de caminhos nada saudáveis”. Este é, também, um trabalho no qual “as decisões que se tomam e nas quais se acredita, são o teu objectivo. Mas são os problemas que te impedem de os concretizar que interessa serem pensados”.
Assim, esta é uma proposta tão colada à vida (a pessoal) quanto possível. O que é criar? O que é firmar um discurso? O que se pensa, se mostra e se vê? Quem vê, afinal, vê-me como? E quem começa é visto como?

Tiago Bartolomeu Costa (crítico de dança, Portugal)
Texto feito a partir de uma conversa realizada em Lisboa a 12 de Setembro 2005